Entre hobbits, leões, magos e outras criaturas: Tolkien, Lewis e a amizade entre dois mundos

C.S. Lewis e J.R.R. Tolkien

Não há um consenso absoluto sobre a data exata em que se comemora o Dia do Amigo, mas uma das várias datas é 20 de julho. Por isso, hoje, vim falar um pouco sobre a amizade de dois grandes gênios: C. S. Lewis e J. R. R. Tolkien. Embora tenham se afastado no fim de suas vidas, a amizade entre os dois autores foi bastante produtiva e significativa para a vida de ambos.

O primeiro encontro entre os dois ocorreu em um chá, em 11 de maio de 1926. Após algum tempo de conversa, eles começaram um debate sobre assuntos acadêmicos relacionados ao estudo do currículo de estudos de Inglês em Oxford.¹ Aquele seria o início de uma grande amizade. Como relata Michael White na biografia de Tolkien:

“Em poucos meses, após o primeiro encontro, os dois homens passaram a se reunir regularmente na sala de Lewis em Magdalen […] Geralmente, sentavam-se próximos à lareira e discutiam literatura ou história noite adentro, cada um revisando manuscritos do outro.”²

Estes gostos e interesses em comum aproximaram cada vez mais os dois professores, afinal, como escreveu Lewis em sua obra Os quatro amores, é esta convergência de interesses e propósitos que une duas pessoas em uma amizade.

“A Amizade brota do mero companheirismo quando dois ou mais dos companheiros descobrem ter em comum alguma perspectiva ou interesse, ou até gosto, que os outros não compartilham e que, até o momento, cada um acreditava ser o seu próprio tesouro (ou fardo) singular. A expressão típica do começo da Amizade seria algo como: ‘O quê? Você também? Eu pensava que era o único!’”³

Um fato interessante é que o relacionamento entre os dois amigos contribuiu não apenas
para a carreira literária de ambos, mas, em muitos aspectos, influenciou aspectos da vida
pessoal. Alister McGrath afirma que “o relacionamento de Lewis com Tolkien é um dos mais importantes de sua [de Lewis] vida pessoal e profissional.”.4

Um exemplo dessa influência pessoal é o importante papel de Tolkien na conversão de Lewis ao cristianismo. Em 1931, após uma memorável conversa com Tokien e Hugo Dyson (um cristão anglicano que também era membro dos Inklings 5). Depois de jantarem, os três saíram para uma caminhada, ocasião em que tiveram uma longa conversa sobre mitos e outros assuntos. Ao final da conversa, Lewis estava convencido de que o Cristianismo era “o mito verdadeiro” e passou a crer na pessoa de Cristo.

Inklings
Inklings

Um exemplo curioso das relações literárias entre os dois autores é a obra de ficção científica escrita por Lewis: a “Trilogia Cósmica” ou “Trilogia Espacial” ou ainda “Trilogia de Ransom”. Esta obra é resultado de uma aposta/desafio entre os dois autores.

Em 1936, ambos conversavam sobre ficção científica e Lewis propôs que cada um escrevesse uma obra de ficção científica, uma tratando sobre viagem no espaço e outra tratando sobre viagem no tempo. Após lançarem a sorte em uma moeda, Lewis ficou com viagem especial e Tolkien com viagem temporal. Clive cumpriu sua parte do desafio, publicando uma obra em três volumes publicados, respectivamente, em 1938, 1943 e 1945 (houve ainda um esboço de um quarto volume intitulado “A Torre Negra” que não foi concluído); Tolkien, por outro lado, embora tenha iniciado sua obra e escrito 4 capítulos, não chegou a concluí-la. Para mais informações sobre essa história, recomendo
o capítulo 7 da obra “J. R. R. Tolkien e C. S. Lewis: O Dom da Amizade” de Colin Duriez.

Por fim, não poderia deixar de mencionar os universos mágicos/mitológicos que Jack (Lewis) e Tollers (Tolkien) construíram: Nárnia e Terra-média, respectivamente.

Um fato interessante é que Tolkien não gostou de As Crônicas de Nárnia”, enquanto Lewis, por outro lado, não somente gostou, como foi um grande incentivador da escrita de “O Senhor dos Anéis”.

20200607_112548

Entre os principais aspectos criticados por Tolkien em Nárnia podemos citar: a rapidez com que as histórias foram escritas (7 histórias em 6 anos), o que, para Tolkien, poderia ser um indicativo de superficialidade das obras; ele também considerava que as  narrativas “não tinham um contexto histórico consistente e eram recortes mitológicos”; além de suspeitar que “Lewis havia tomado suas [de Tolkien] próprias ideias e inserindo nas crônicas de Nárnia sem lhe dar os devidos créditos”.6

No que diz respeito a relação de Lewis com O Senhor dos Anéis, há quem diga que ele foi uma espécie de “parteiro literário” da obra. Segundo o próprio Tolkien citou em uma carta a Rayner Unwin (seu editor), ele tinha uma dívida com Lewis em relação à conclusão da obra.

O Senhor dos Anéis - J.R.R. Tolkien
O Senhor dos Anéis – J.R.R. Tolkien Foto de Jefferson Cavalcante

 

“A dívida impagável que tenho para com Lewis não foi uma “influência” no sentido comum desse termo, mas o puro e simples encorajamento. Ele foi muito tempo minha plateia. Somente por meio dele eu concebi a ideia de que minhas ‘coisas’ poderiam ir além de um hobby pessoal. Se eu não contasse com o interesse dele e com sua incessante avidez por mais história, nunca teria concluído O Senhor dos Anéis.” 7

 

 

Como comentei no início do texto, no fim da vida, por motivos diversos, os autores foram se distanciando. Apesar de tudo, como apresentei, ainda que de maneira superficial, a amizade foi uma bênção na vida destes dois grandes escritores.

Encerro este texto com outra citação do livro Os quatro amores:

Os quatro amores - C.S. Lewis
Os quatro amores – C.S. Lewis Foto de Cici Marinho

 

“A Amizade não é uma recompensa para nosso discernimento e bom gosto em achar um ao outro. É o instrumento pelo qual Deus revela a cada um as virtudes de todos os outros.”8

 

Feliz Dia do Amigo, pessoal!

cópia de elizangela da rosa

Notas e Referências

1 MCGRATH, Alister. A Vida de C. S. Lewis: do ateísmo às terras de Nárnia. São Paulo: Mundo Cristão, 2013. p. 147.

2 WHITE, Michael. J. R. R. Tolkien, o senhor da fantasia: edição comemorativa. Rio de Janeiro: Darkside Books, 2016. p. 122.

3 LEWIS, Clive Staples. Os quatro amores. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017. p. 92.

4 MCGRATH, Alister. A Vida de C. S. Lewis: do ateísmo às terras de Nárnia. São Paulo: Mundo Cristão, 2013. p. 148.

5 Os Inklings foi um grupo informal de conversas e discussões sobre literatura, que reunia, além de Lewis e Tolkien, outros professores e alunos de Oxford

6 MCGRATH, Alister. A Vida de C. S. Lewis: do ateísmo às terras de Nárnia. São Paulo: Mundo Cristão, 2013. p. 282.

7 MCGRATH, Alister. A Vida de C. S. Lewis: do ateísmo às terras de Nárnia. São Paulo: Mundo Cristão, 2013. p. 216.

8 LEWIS, Clive Staples. Os quatro amores. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017. p. 123.

 

WhatsApp Image 2020-05-10 at 22.56.17

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.