Jogos e folguedos infantis de outrora em São Joaquim… – Por Henrique Córdova

A bolinha de vidro, ou de gude, lançada pelo menino trigueiro,
Escorreu, pela linha seca do tempo e, vagarosa,
Desaparecia, nas bocas cavadas bem ao fundo do terreiro,
Donde só saía para, outra vez, correr caprichosa.

Em que lugar estará agora, que dedos a manejarão,
Em busca do belo bolão, prêmio ofertado de Pandora?

Quem esticará a funda elástica e encourada,
A pássaros ariscos e a preás espiões apontada,
Nas lestas manhãs e tardes preguiçosas de verão,
Do cimo das velhas taipas marcadas com marrão?

Qual o destino do pequeno jornaleiro sazonal,
Núncio das escaramuças guerreiras germânicas,
A cada setembro orgulhoso do signo nacional,
Perseguidor implacável das galinhas hispânicas?

A que plaga chegou o carrinho de rolimãs,
Após o asfalto engolir os severos declives,
Por onde, da casa amarela ao brejo das rãs,
Deslizava com velocidade das rodas livres?

E os arcos recortados de pneus lacerados,
Ou aros de mui obesas barricas liberados,
Com hastes de arame torcido impulsionados,
Pelos braços alegres e infantis paralisados?

Em que velho galpão estará a bicicleta feminil,
De cores vibrantes, de reto selim luxurioso,
Pra sempre esquecida pela imaginação varonil,
Ocupada pelo esfuziante carango glamoroso?

E onde foram as trotadas do negro garanhão ocioso,
Pelas ruas de terra batida da pequena cidade pasma,
Sob as selas do magro e moreno ginete presunçoso,
Que, segundo a lenda, se transformou em fantasma?

Cessaram as carreiras em canchas retas,
Com os partidores formados em us,
Cheias de mistérios, e mui longas metas
E largadas falsamente anunciadas,
Pelo negro querido chamado Jesus,
Que desfazia partidas inventadas.

Calaram-se as arengas confusas dos ébrios solitários,
Repetidas nas esquinas a ouvidos moucos cambaleantes,
Vazias aos espíritos voltados aos juninos foguetórios
Abençoadas e animadas pelos mais belos sons de dantes.

Quebraram-se os peões, postados ao centro das metas,
Peitos abertos para confrontos mortais com os pares,
Lançados ao espaço com cordões, esticados por atletas,
Antes neles enrodilhados e revestidos de raios solares.

Romperam-se os bodoques passageiros,
De embira tecidos e de índios herdados,
Para a caça rara, de pássaros, retesados,
Assentados em desfolhados pessegueiros.

Desapareceram as mesinhas de bilhar e sinuca,
De madeira engendradas, de tabelas de tiras de borracha,
Caçapas inteiriças circundantes, tacos mal torneados de pau roliço,
Que a gurizada, por muita bala e pouca bolacha,
Com tacadas cuidadas e penetrantes,
Fechava as apostas em grande reboliço,
Para depois ser expulsa da baiuca.

Sumiram dos raros recantos desertos,
Os espadachins pouco e mal adestrados,
Que, com golpes fitos em alvos incertos,
Quebraram floretes de ripas preparados.

Evaporaram as águas límpidas do poço do Cantalício,
Remanso sagrado do velho e maltratado São Mateus,
Tomado às lavadeiras, silenciadas de seu vero bulício,
Para banhos e acrobacias de meninos ainda sem Deus.

Quantos, quantos de todos, e mais, aqui nascidos, viveram – e agora perderam –
As lembranças floridas,
De jogos de bolinhas de vidro,
De tantas folganças vividas?

Os povos engendram povos,que, novos, seguem dos velhos o destino;
Renascem e, em nova decrepitude, morrem sem apresentar e oferecer,
Aos novos,
Os amigáveis jogos para sempre e irrecuperavelmente
Perdidos.

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