Outros sinais? – Por Henrique Córdova

Desta vez, guiadas pelo acaso generoso, minhas mãos trouxeram, aos meus olhos ávidos e através deles ao meu cérebro faminto, o alimento, que me aquece e agita o inquieto coração. O alimento variado e colorido, preparado pela inteligência fulgurante da mulher frustrada no primeiro e único amor; vingativa nas aproximações apaixonadas dos pretendentes e compromissada com a falsa liberdade que escraviza .

René Néré, hipotecou a sua vida ao leviano e fugaz amor de Alpholse Taillandy. Rejeitada , após servir e ser traída, após implorar sem ser ouvida, deixou-se levar para o mundo da representação . Não era mais uma mulher e sim uma dançarina. Fugiu de si, para ser uma nuvem tangida pelo som de orquestras pretensiosas e, às vezes, desafinadas. Uma boneca manipulada pela prestidigitação alucinada de Brague, nos palcos das cidades de seu mundo etéreo .

René, requestada pelo desejo varonil e persistente de Máxime Dufferein-Chautel, a quem desprezava e chamava de Grande Tolo ou de Max, sutilmente induzida por Hamond, velho amigo com quem se alegrava lembrando das tristezas das vidas solitárias de ambos, abandonados por seus amores, apaixonou-se, numa transição natural de sentimentos, pelo ricaço Grande Tolo, que levava uma vida ociosa e de prazeres às expensas da poderosa e ativa mãe .

O medo de nova frustração, a insegurança provocada pela idade avançada e pela auto- imagem degradada, fizeram René renunciar as promessas de um futuro farto e feliz, ao lado de um novo e grande amor. A renúncia revestiu-se da transferência da frustração, que lhe fora imposta pelo abandono de Taillandy, para Max e propiciou-lhe uma mórbida prelibação do sofrimento, que infligiu ao seu pretendente, num momento de embriaguez sado-masoquista, perversão funesta .

René perdeu Taillandy para outras. Ele não lhe pertencia. Ela, meio travestida de Taillandy, rejeitou Max, sem buscar outros . Suicidou-se para o amor e impôs a dor que sofreu a Max. Ela e Hamond, abandonados pelo primeiro amor, jamais foram capazes de voltar a amar. Hamond, sem a coragem de amar René, instilou no amigo Max o seu desejo de ama-la, sem correr o risco da certa e nova rejeição. Pobre Max. Amou René para ser ela, desprezado por ela, a dançarina escrava e frustrante, em nome da liberdade …

Ninguém, em homenagem à beleza artística, deveria, muito menos eu, falar desta história, depois que a escreveu a inimitável e grandiosa Gabrielle S. Colette , em “A Vagabunda” . Perdoo-me, porque, na verdade, o que quero é dizer que nenhuma marca, das habituais feitas pelo meu pai em seus livros, encontrei neste. A não ser que, certas margens de páginas mais sombreadas, contenham suas digitais impressas com o suor destilado pela emoção que lhe causou Colette. Esta hipótese, contudo, para ser confirmada demandaria um estudo de datiloscopia, que não estou disposto a mandar fazer, em face da certeza que tenho, de que nenhuma marca particular tem o livro, porque meu pai o quis marcar inteiro…

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