Entenda mais sobre a endometriose, uma doença silenciosa e cruel

Além de causar dores insuportáveis, a doença ainda é capaz de causar infertilidade.

Atingindo de 6 a 10% da população com útero em idade fértil do mundo, a endometriose é uma doença de difícil diagnóstico. A condição é caracterizada pelo crescimento de tecido endometrial (que forra o útero) na parte externa ao órgão e seus sintomas não são fáceis de identificar. 

Mensalmente, durante a menstruação, o útero passa por processos inflamatórios. O mesmo acontece com o tecido endometrial que, em uma pessoa com endometriose, estão na parte externa ao órgão reprodutor. 

Dor intensa na menstruação, dor profunda na relação sexual, dor para evacuar ou urinar no período menstrual, alteração de hábito intestinal (constipação ou diarreia) no período menstrual e infertilidade (cerca de 50% das pessoas diagnosticadas com endometriose enfrentam infertilidade) são sintomas da endometriose.



A ginecologista Jessica Cesário explicou que o ato de menstruar vem da descamação de células de dentro do útero e esse processo vem associado à liberação de fatores pró-inflamatórios que trazem dor. Quando esse tecido endometrial está fora do útero, o processo inflamatório atinge outros lugares do corpo.

“A endometriose é entendida como ‘um tecido que menstrua’ fora do útero e pode atingir intestino, ovários, tubas, fígado e até nervos da perna e órgãos mais altos fora do abdome”, informou Cesário.

O processo de diagnóstico da doença passa, principalmente, pela atenção à história clínica da paciente e por exames de imagem. Os exames de ultrassom com preparo intestinal para mapeamento de endometriose ou ressonância avaliada por um profissional experiente na patologia costumam ser suficientes para identificar a condição.

“Quando a dor não cessa com analgésicos, quando, de repente, no decorrer da vida, ela vai piorando a cada ciclo menstrual e passa a se tornar uma dor tão intensa que atrapalha a qualidade de vida da mulher, isto não pode ser considerado normal”, informou a especialista.

Maria Cristiane de Oliveira, 44, paciente da ginecologista, sentiu a piora da endometriose durante toda a sua vida, mas só descobriu a doença há três anos.

“Desde nova, eu tinha muitos sintomas, mas não sabia que era endometriose. Quando ia menstruar, eu sentia muitas dores, não conseguia fazer nada no período da menstruação. Há uns três anos, mais ou menos, foi quando comecei a sentir dores insuportáveis”, relatou a paciente.

Cristiane trabalhava como vendedora numa loja de cosméticos, mas a piora da doença ocasionou sua demissão. “No trabalho, eu comecei a passar muito mal, sentindo muitas dores”, contou. Por conta da quantidade de vezes que precisou se ausentar, mesmo apresentando sempre atestado médico, ela foi demitida.

De acordo com Cristiane, por ser uma doença que não apresenta sintomas visíveis, muitas pessoas não acreditam na dor de quem tem endometriose. “A gente passa muito preconceito, as pessoas ficam achando que é manha, que você não está sentindo aquela dor, que você está inventando, que tudo que você está dizendo que sente você tá aumentando, e que não é desse jeito. Mas só quem tem endometriose é que sabe o que passa, porque são dores horríveis. Tinha dias que eu pedia a Deus pra morrer”, relatou.

Os sintomas da endometriose em Cristiane aumentaram durante seus ciclos menstruais. Quando chegou aos 41, começou a sentir dores com cada vez mais frequência, até fora do período menstrual. “Eu sentia muita cólica, eu sentia febre, tinha calafrio, vomitava, emagreci 15 quilos por que tudo que eu comia, até água, às vezes, quando bebia, eu corria para vomitar. Nas relações sexuais, eu sentia muita dor, para defecar também sentia dor”, contou Cristiane.

A doença não tem cura, mas tem tratamento. “A maioria das mulheres terá boa resposta a medicações que inibam a menstruação, evitando que esses tecidos fora do útero continuem manifestando essa inflamação local. Em outros casos, quando a paciente mantém sintomas mesmo com medicações, ou quando a doença se manifesta como infertilidade, uma cirurgia videolaparoscopica, para tentar retirar os focos, pode ser indicada”, explicou a ginecologista Jessica Cesário.

Para Cristiane, por conta do tempo que ela levou para descobrir que tinha a endometriose, o tratamento precisou de intervenção cirúrgica. Em fevereiro deste ano, ela passou por uma laparoscopia, uma histerectomia (retirada do útero), uma ooforectomia (retirada dos ovários) e uma cirurgia de remoção do apêndice no Hospital das Clínicas da UFPE. O tecido endometrial também estava no intestino de Cristiane, mas não foi necessário cortar o órgão.

“Minha recuperação está sendo boa. Depois da cirurgia eu estou bem melhor, não estou sentindo mais as dores que eu estava sentindo”, celebrou Cristiane.

“Vai ser maravilhoso viver sem sentir as dores que eu sentia. Porque eu sofri muito, minha vida era chorar, ficar no quarto deitada na cama, não queria falar com ninguém, não queria mais pentear o cabelo, não queria sair pra lugar nenhum. Eu ficava 24 horas chorando, sem conseguir dormir direito. Às vezes, eu dormia um pouco e acordava desesperada de dor, meu marido precisava me socorrer pra tomar medicamento na UPA”, lembrou.



A ginecologista explicou que a doença precisa ser monitorada mesmo depois de uma remoção do útero e ovários, por exemplo. “Hoje em dia, já se tem estudo de mulher pós-menopausada, que está fazendo uma terapia de reposição hormonal, por exemplo, em que se deve ter cautela para não ativar, mesmo depois da menopausa, os focos da endometriose. A doença, por si, gera uma fibrose (tecido cicatrizado) no local, de tanta inflamação, que os sintomas dela podem perdurar além da idade fértil”, explicou.

Além do tratamento por medicação que inibe a menstruação, há o tratamento da dor por meio de anti-inflamatórios e analgésicos, que, sim, podem ser de uso comum no período menstrual. De acordo com a ginecologista, a dor na menstruação precisa ser controlável, se ela não é controlável por meio de medicamentos, ela precisa ser investigada.

“O grande quê da questão é pensar na doença. Não considerar que ‘menstruação tem que doer mesmo e pronto’ e com isso retardar o diagnóstico e tratamento de uma doença que tem caráter progressivo: a cada ciclo, aumenta a inflamação e o risco de aderências”, contou a ginecologista.

Com acompanhamento, uma pessoa diagnosticada com endometriose consegue viver sem precisar lidar com dores que incapacitam seu bem-estar social. Por isso, a não normalização da dor e a busca por ajuda profissional é crucial. “Ninguém deve parar a vida por dor. Que lembremos desse diagnóstico ao cuidar de uma mulher que sofre. Para lembrar de ouvi-la”, lembrou a ginecologista Jessica Cesário.

Uma questão, também, alimentar

Como parte do tratamento para quem vive com endometriose, controlar a alimentação também é fator necessário. A mestra em nutrição Hayane Leite explicou que a dieta tem um papel importantíssimo no controle da inflamação. “Indicamos, principalmente, alimentos com ação antioxidante, que vai contra esse estresse oxidativo e essa inflamação, o que vai trazer muito alívio de dor para essas mulheres também”, informou.

De acordo com a nutricionista, a alimentação no tratamento da endometriose deve ser abundante em frutas e vegetais ricos em Vitamina C, Vitamina A, Vitamina E e B9 (ácido fólico). Nos complementos alimentares indicados, o Ômega 3 e a Vitamina D também podem ajudar a conter os quadros de inflamação no corpo. 

Especificamente sobre a endometriose, um grupo de alimentos é indicado para ajudar no equilíbrio hormonal de quem tem a condição. “Têm alguns alimentos do grupo das Bráfficas, que é repolho, couve, brócolis, que conseguem controlar os níveis de estrógeno e a proliferação de células endometriais, que é característica da endometriose”, informou. 

Com relação ao que não é indicado, a nutricionista comentou que alimentos com carboidratos refinados de alto índice glicêmico podem estimular ainda mais a produção do estrógeno, por isso devem ter consumo reduzido por quem tem a doença.

Algo considerado muito comum para quem tem diagnóstico de endometriose é a Síndrome do Intestino Irritável. Para esse sintoma, a indicação nutricional é evitar alimentos fermentáveis, os Sobmaps (trigo, feijão, lactose…). “Como são alimentos que fermentam muito, isso pode exacerbar os sintomas gastrointestinais e exacerbar a dor nessas mulheres. Então já é indicada uma dieta pobre nesses carboidratos fermentáveis”, indicou.

Com a alimentação regrada, uma pessoa que tem endometriose, dependendo do grau, consegue controlar a dor e até conter a proliferação das células inflamatórias pelo corpo, de acordo com a nutricionista. Contudo, o trabalho com uma pessoa que tem endometriose precisa ser multiprofissional. “Não apenas o controle da alimentação é capaz de controlar todas as dores da doença”, relatou a nutricionista.

A qualidade de vida de uma pessoa com endometriose, caso não tratada, pode decair ao correr da vida. “É tanta dor que isso compromete muito o bem-estar social da mulher, então o nível de internamento é muito grande. Elas acabam se afastando muito do trabalho, então a vida produtiva delas acaba sendo comprometida”, comentou a nutricionista.

Como auxílio no tratamento médico, a indicação da especialista é a redução de alimentos que possam causar inflamação. “Uma alimentação mais pobre em carboidratos refinados e de alimentos com menor índice glicêmico ajuda a conter a fisiopatologia da endometriose”, garantiu.

Por Maria Priscila Martins/ Folhape.com

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